Eu queria desesperadamente aquilo.
Cada célula do meu corpo me empurrava na direção daquele desejo.
E é quase engraçado pensar no nível de certeza que aquilo me causava.
Não me lembro de ter tomado nenhuma decisão importante na vida com tamanha convicção. Nenhuma.
Mas a verdade é que… não era como eu imaginava.
Na minha cabeça adolescente, ser adulto era ter liberdade e poder.
Poderia escolher.
Poderia ir onde quisesse.
Com quem quisesse.
Voltar pra casa depois da meia-noite, e ninguém me questionaria.
E sim — eu até posso.
Constatei que o que parecia sedutor nessas coisas é só fuga.
Descobri que os adultos fogem muito.
Fogem de si mesmos.
Dos outros.
Das responsabilidades.
Da dor.
Naquela noite, eu queria fugir da dor.
Era 2h da manhã. Havia tomado um energético. Estava bem vestido, perfumado. De carro.
Eu me sentia poderoso.
Podia ir pra onde eu quisesse. Com quem eu quisesse. E sem hora para voltar para casa.
A ironia?
Eu não tinha para onde ir, nem com quem ir.
Então, resolvi dirigir por mais tempo.
Peguei um caminho mais longo até em casa.
Com as minhas músicas.
Com a minha melancolia.
Foi bom.
Não porque me senti melhor.
Mas porque percebi que não era o único dirigindo sem destino ou horário.
Era essa a liberdade que eu tanto idealizava na juventude?
Poder ir pra onde quiser, com quem quiser… e mesmo assim não ter pra onde ir, nem com quem estar.
E foi ali, entre uma curva e outra, que comecei a entender:
Que há desejos que não nascem da alma, mas são soprados no ouvido.
E que a maior tentação nem sempre está no prazer… mas na fuga.
Uma das armadilhas mais sutis do inimigo é criar desejos.
Soprar ideias. Fantasias. E deixar a porta aberta.
Ele nos oferece algemas, mas somos nós que decidimos colocá-las.
Ele não nos faz pecar.
Apenas cria a ocasião.
Somos nós quem cedemos.
E quando o fazemos, seja pra ligar/ mandar mensagem pra alguém do passado, comer o que não deveríamos, beber o que prometemos não beber…
Quando vem aquela voz dizendo: “uma última vez”, “só hoje”, “pra esquecer um pouco tudo o que está acontecendo”…
É só o inimigo fazendo o seu trabalho.
E se você tiver coragem de olhar esse desejo no fundo, ir além da primeira camada, e se imaginar depois de atingir o seu ápice…
Você vai perceber como tudo soa estranho.
Vazio. Fora do lugar.
Aquela pessoa na cama com você não faz o menor sentido.
O doce prazer se transformou na amarga culpa.
O gelo da bebida que antes refrescava, agora queima — de tão frio que é o vazio.
É doloroso perceber que você não tem controle nem sobre o que deseja.
Que aquela fantasia de recompensa imediata era só um truque manjado do inimigo.
Mais doloroso ainda é admitir que nem mesmo terá aquele respiro rápido que você tanto almejava para aliviar o peso da cruz que está carregando.
Mas — e aqui mora a esperança.
Se você está resistindo... se o desejo está gritando, e mesmo assim você o silencia...
Bem-aventurado és tu.
Porque é assim que o inferno opera:
Os mais atribulados são os que mais importam para Deus.
E são justamente esses que o inimigo persegue com mais afinco.
Ele convoca reforços.
Emprega tudo o que aprendeu nos últimos dois mil anos.
Tudo pra tentar provar pra Deus que ele estava certo sobre nós.
Então, não se entristeça.
E muito menos se orgulhe achando que “essas coisas só acontecem comigo”.
Tem um jogo maior do que você nisso. Mas, ainda assim… você importa. E importa muito.
Eu sei que, às vezes, é preciso escapar.
Hoje, como adulto, vejo que as válvulas de escape também têm seu lugar.
Mas, cuidado, porque algumas válvulas, a depender da intensidade e frequência, se tornarão um problema maior do que aquela dor que você almejava evitar.
Naquela noite, Deus me deu não o que eu queria — mas o que eu precisava.
Dirigir sozinho ouvindo minhas músicas favoritas.
Desfrutando da liberdade de ir para onde eu quiser, fazer o que quiser, com a companhia que quiser.
AS
A menos que a razão ponha fim às nossas lágrimas, o acaso não o fará.
Sêneca