Escrevo este texto no dia 13 de junho, pós-Dia dos Namorados.
Meu feed estava inundado de fotos de casais celebrando seus amores.
Pensei: “Fofos.”
Até que um amigo me mandou um reels em que o cara dizia que estar solteiro no Dia dos Namorados é como estar vivo no Dia de Finados: às vezes, você pode estar melhor do que os homenageados.
Eu ri e respondi:
— Você tem um ponto.
Mas logo me peguei pensando: será mesmo?
Havia acabado de assistir a um vídeo de um influenciador que decidiu viver uma semana como alguém dos anos 90.
Uma mistura de história, nostalgia, sonho americano… e uma saudade estranha — de algo que eu sequer vivi.
Tudo isso me fez pensar em como, antigamente, talvez as coisas fossem mais simples e mais verdadeiras.
Imagine se você tivesse conhecido uma pessoa perfeita para você.
E por algum tempo — aquele breve intervalo que distorce nossa percepção e nos faz achar que encontramos o sentido da vida — vocês:
Alugaram filmes na Blockbuster.
Foram a um show do Nirvana ou Pearl Jam.
Disputaram fichas num fliperama barulhento.
Gravaram músicas em um CD virgem, à luz do lava-lamp.
Assistiram juntos a um filme no drive-in.
E nas datas especiais, trocaram cartas escritas à mão, decoradas com adesivos e perfume.
Vocês viveram uma história.
Uma história com cheiro de pipoca com manteiga.
Som de multidão e risadas altas.
Gosto doce de balas Trolli Gummy.
E a sensação do vento quente de verão entrando pela janela do carro.
Mas não deu certo. Vocês terminaram.
E naquela época…
Sem Instagram.
Sem Tinder.
Sem redes sociais pra saber onde ela está.
Se se mudou.
Se começou um novo projeto.
Se reatou aquela amizade.
Se está com alguém.
E o principal…
Sem redes sociais te mostrando que existem outras pessoas.
Ela foi — e continua sendo — a pessoa perfeita pra você.
Porque não há outro parâmetro.
Não há comparação.
A única referência que você tem é a experiência que viveu com ela.
Isso não é, no mínimo… curioso?
Pense em como deviam ser mais intensos os sentimentos…
Porque todos aqueles momentos foram vividos apenas por vocês dois.
Sem fotos.
Sem vídeos.
Sem stories.
Sem telespectadores.
A única prova de que aquilo tudo realmente aconteceu são as suas memórias — e a saudade.
Hoje, não temos isso.
Somos soterrados por “opções”.
Jogados num mar digital que promete infinitas possibilidades…
E que, ao mesmo tempo, nos anestesia.
Nos ilude com a ideia de que existe algo melhor por aí.
O tempo todo somos bombardeados com o que poderíamos fazer.
Com quem poderíamos estar.
O que poderíamos ter.
Onde poderíamos viver.
Quem poderíamos ser.
E toda vez que a melancolia ou a reflexão bate à porta, a interrompemos com um:
— “Você tem um ponto.”
Outro ângulo.
Outro argumento.
Outra versão da realidade.
Que confirma o nosso orgulho. A “nossa verdade.”
Somos convidados, hoje, a viver no nosso mundo — um mundo moldado por algoritmos que nos mostram exatamente o que queremos ver.
Sem contradição.
Sem confronto.
Sem forja.
E no instante em que a vida real não confirma o mundo ideal que projetamos…
Quebramos.
E aí, nosso companheiro já não é tão perfeito assim — porque sabemos que existem melhores.
Aquele lugar em que vivemos já não nos encanta tanto assim — porque sabemos que existem melhores.
Aquele trabalho já não nos satisfaz — porque sabemos que existem melhores.
Sabemos que existem…
Mas isso não quer dizer que vamos ter.
Só que não pensamos nisso.
Seguimos o desejo.
Em busca da promessa de uma felicidade, abrimos mão do que já nos fazia felizes.
Acredito fielmente que a felicidade não é um ponto de chegada — é a jornada.
E a jornada inclui tropeços, quedas e o esforço de se levantar.
E, a menos que você tenha sensibilidade o suficiente…
Para se afastar um pouco do momento presente,
E se perceber — quase em terceira pessoa — vivendo algo bom,
Você só vai entender depois.
Alguns minutos, horas. Talvez dias. Anos.
Vai olhar pra trás e perceber o quanto foi feliz naquele instante.
E aí entra sua vigilância.
De acolher isso com carinho e se dar por satisfeito…
Ou de olhar para o espelho preto, normalizar o que viveu e dizer:
— Eu quero outra coisa.
Mas aí eu retomo o que disse em meu último texto:
Uma das melhores ferramentas do inimigo nem sempre é a tentação do desejo.
É a fuga.
E o que o mundo virtual faz conosco é justamente isso: nos embriagar da tentação de fugir.
Fugir da dor.
Fugir do tédio.
Fugir de nós mesmos.
Para que sigamos atrás do próximo anestésico…
Do próximo desejo que nos tire da angústia de agora:
O incômodo de ter uma autoestima frágil e ver isso afetando o relacionamento.
A impotência de não conseguir manter a rotina que gostaria.
A frustração de não ganhar o que acha que merece.
A raiva de não ser valorizado como acredita que deveria.
E seguimos jurando de pés juntos que estamos no caminho certo — afinal, só vemos o mundo que desejamos ver através desta tela.
Esquecemos de abraçar a melancolia e a reflexão que, mesmo dolorosas, nos colocariam de frente com nossos defeitos e pecados…
E nos ajudariam a amadurecer.
Porque não há outro caminho.
É o que uma das minhas frases favoritas representa:
Se dói querer ser forte, você não faz ideia do quanto dói permanecer fraco.
Ícaro de Carvalho
AS
Como sempre surpreendente, grande ponto! Parabéns!!